“Cara”, disse
ela, “Que noite a fudê”. Só curtia o barulho das ondas enquanto reparava na areia
da praia molhada e como isso só fazia tudo ficar mais nosso. Porra, como eu
curto essa mina. Não se recusa enfrentar os medos, topa todas e curte ser fora da lei. Tão raro isso. Porque
só é bonito quem aceita os vagabundos roubando dinheiro e finge que não vê.
Porque pobre que mora no morro pode ser feliz por lá mesmo, não precisa se
misturar com os playboys. Porque é obrigação do pobre ser traficante e marginal.
Porque tem que ter um palhaço pra vender bala pra riquinho filho de político.
Eu me tornei
esse palhaço. Aguento playboy me devendo grana; aguento desaforo e vivo
escondido da polícia. A única parada maneira no meio desse bagulho foi essa
mina. Pô, a Joana... Agora ela tá doidona, rindo pro vento, caindo com a força
das ondas. Que mulata! Da saia encolhida, da perna malhada, do sorriso
engraçado. Agora tenho dois motivos pra aguentar essa porrada que o mundo me dá
todos os dias: o meu baseado numa mão e na outra, o calor da pele da Joana. E
agora, nós três aqui sozinhos na praia, é a fudê mesmo.
Mais uma onda
invadiu nosso espaço na areia e Joana continuava rindo sozinha. Tava tudo tão
bom que já não parecíamos mais estar sozinhos. De repente, ouço alguém me
chamar. “E aí parceiro, pode passando a mochila, mané”. Olho pra trás e vejo um
moleque que parecia bem noiado. Perguntei se ele queria comprar um baseado. Ele
riu. “E eu tenho cara de play? Não tenho grana, meu”. Peguei minha mochila e
caminhei na direção da Joana, porque sabia que vinha treta por aí.
Enquanto meu
pé afundava na areia gelada, ouvia os passos atrás de mim e sabia que aquele
cara me seguia. Eu sabia que tava ferrado, assim como sabia que o bagulho não
era só comigo: ele queria a Joana. Vi que ele tava correndo, e o desgraçado
conseguiu chegar até ela antes de mim. Interrompeu uma de suas risadas dando
uma chave de pescoço, fazendo com que ela se calasse e arregalasse aqueles
olhos pretos pra mim. “Quem tu pensa que é, mermão??”, gritei com toda a raiva
que eu queria colocar pra fora. “Ou tu me dá o baseado ou a gostosa aqui é
minha”, ele disse. Eu só conseguia negar porque precisava da grana, mas ao
mesmo tempo ficava puto de ver ela sem aquele sorriso e sem entender o que
acontecia. Mas ela tava chapada, no dia seguinte tudo ia ser só uma viagem de
quem fumou demais na noite anterior.
Queria que
houvesse dia seguinte para ela. Não tive chance de evitar: antes que eu me
mexesse, aquele filho da puta sacou do bolso um calibre 38 e apontou para a
cabeça dela. Aquele foi o “não” mais caro da minha vida. O estouro que
ensurdeceu meus ouvidos me empurrou para o chão, onde as ondas me congelaram.
“Seu filho da puta!”, eu gritava, mas ele já corria muito longe para que
pudesse me ouvir. Meus gritos eram abafados pelo choro. Lágrimas de quem só
queria ver aquele sorriso uma última vez. E eu vi. Porque Joana morreu
sorrindo.
Caracaaa, estou em choque com o seu texto, no início achei que ia ser uma história de amor (sem final trágico), me surpreendi demais.
ResponderExcluirBeijoos, Love is Colorful
Que bom que te surpreendi haha Obrigada pela visita! Volte sempre.
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