sábado, outubro 17, 2015

Pequenas pedras, grandes problemas



                 
                          Of course it's blurred. 

Eu tinha sete anos e estava me arrumando para ir pra escola. Minha mãe penteava (arrancava) os nós dos meus cabelos. Com a saia e a blusinha colocadas, um gloss nos lábios, sentei-me à cama e estendi o pezinho tamanho 29 para que ela amarrasse meus tênis vermelhos. Enquanto ela amarrava, olhava no espelho o penteado recém feito, o gloss que brilhava e o quanto eu estava bonita naquele dia. Quando ela terminou de fazer o laço perfeitinho com os cadarços do tênis, eu disse:

- Mãe, tem uma pedrinha dentro do meu tênis!

Já estávamos atrasadas. Em alguns minutos eu já deveria estar a caminho da escola. Ela olhou pra mim, respirou fundo e disse:

- Vai incomodar no começo, mas depois tu acostuma.

Eu insisti:

- Mãe! Não vou acostumar! Desamarra e tira pra mim?

- Vai acostumar sim – disse ela olhando-se no reflexo do espelho enquanto ajeitava o bojo do sutiã.

Dentro do carro, a pedrinha ainda incomodava. Olhava pra paisagem que eu via todos os dias, distraía-me com os latidos bravos de um cachorro, mas volta e meia olhava pro meu tênis e desejava muito arrancar aquela pedrinha fora. Mas eu nunca saberia fazer um top tão bonito novamente.

Cheguei na escola incomodada. Pisava com o pezinho torto tentando fazer malabarismos para desviar daquela maldita pedrinha lá dentro. Sentei-me com minhas colegas e falei que tinha uma pedrinha me incomodando. Me chamaram de exagerada e prontamente copiaram o que a tia passava na lousa. Nunca julgue a pedrinha no tênis dos outros.

Comecei a desenhar a letra redondinha no meu caderno e fazer alguns desenhos nas bordas. Passei meu gloss. Emprestei minha caneta colorida praquela colega que eu mal falava. Troquei adesivos da Hello Kitty com minha melhor amiga. 

E esqueci a tal pedrinha.

Só fui lembrar dela muito tempo depois, quando levantei (ou melhor, saí correndo, como toda boa criança de 7 anos de idade) pro recreio. Ela incomodou, mas dessa vez eu sabia: deixa ela lá que passa.

Essa não foi a única pedrinha que entrou no meu tênis e ficou o dia inteiro ali, mesmo quando eu não lembrava dela. Elas foram mais frequentes do que eu podia imaginar ao longo da minha vida, e algumas dessas pedras realmente incomodaram. Não minto: tive pedrinhas que eram verdadeiras rochas sedimentares, que acumularam histórias por muito tempo e me obrigaram a tirar o tênis mesmo sem desamarrar o top. E pra colocar de volta? O top nunca fica igual. Aí você usa ele como pantufa mesmo, enfia o pé ali, abaixa aquela partezinha de trás e esmaga ela. Não é a maneira mais confortável, mas a gente se vira como pode.

Mas às vezes, por mais que incomode, que cutuque, que infernize a sua vida, deixar aquela pedrinha lá é o melhor caminho. Você vai lembrar dela frequentemente, mas isso não é necessariamente negativo: você estará aprendendo a ter paciência. E isso, meu caro, é melhor aprender com as pedrinhas do que com as pessoas.

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